Catarina e Diogo
Não se pode contar a história de Salvador sem falar de Diogo Álvares Correia e sua esposa, Catarina Álvares Paraguaçu. Por volta de 1510, Diogo, um nobre português, naufragou nas cercanias do Rio Vermelho e foi encontrado por uma índia tupinambá, Paraguaçu, filha do chefe dos Tupinambás, Taparica.
Da embarcação apenas ele sobreviveu. Todos os demais morreram, afogados ou mortos pelos índios. Não se sabe ao certo porque ele foi poupado, mas conta a lenda que entre os salvados do naufrágio ele encontrou um bacamarte e atirou, acertando uma ave e deixando os nativos horrorizados. A partir daí ele começou uma longa história e passou a ser chamado de Caramuru que alguns traduzem como “Moréia” outros por “Homem-trovão”.
Diogo Álvares Correia Foto: Paulo Rogério Blog
Diogo nasceu por volta de 1475, não se sabe se em Viana do Castelo ou Galiza e morreu em 1557 em Tatuapara, que hoje chamamos de Praia do Forte. Seja porque usou o bacamarte para abater uma ave ou porque seria útil para informar a serventia dos salvados do naufrágio, a verdade é que Diogo conquistou o respeito dos tupinambás aprendendo sua língua e seus costumes.
Registro de Batismo de Catarina. Foto : Casa da Torre
Catarina foi homenageada pelo governo baiano, com uma estátua no monumento 2 de julho, no Largo do Campo Grande. Foto : Bahia Turismo
De tal forma se adaptou a nova vida que tomou a filha do cacique como esposa. Anos mais tarde, levou Paraguaçu para a corte francesa, onde ela foi batizada. Ao voltaram de viagem estabeleceram-se onde hoje é o Largo da Graça. Quando Francisco Pereira Coutinho, o primeiro donatário das Capitanias Hereditárias, chegou e fundou o Arraial do Pereira nas cercanias da Ladeira da Barra, o local onde Diogo e Catarina viviam passou a se chamar Vila Velha.
Francisco Pereira Coutinho tinha muita dificuldade na escravização de índios para trabalharem em seu engenho. De forma que embora Diogo tenha se esforçado muito na mediação, houve uma revolta tupinambá no Arraial quando um soldado português matou um indígena, o que obrigou Francisco Coutinho a fugir para Porto Seguro.
Quando os ânimos esfriaram, Diogo foi ao encontro de Francisco Pereira Coutinho com um tratado de paz. Mas na volta, o navio em que estavam naufragou em Itaparica. Diogo foi mais uma vez poupado mas infelizmente o Capitão Francisco foi morto e devorado pelos tupinambás que não sabiam do acordo. Diz a lenda, pelo golpe de bordunha de uma criança, irmão do índio morto no Arraial.
Representação do sonho de Catarina
Fonte: Wikipédia, domínio público
Catarina voltou da viagem cristã fervorosa e contam os mais velhos que uma noite ela teve um sonho com náufragos onde via uma mulher com uma criança nos braços. Caramuru mandou que procurassem pela costa e não encontraram nada. Dias depois Diogo foi notificado de um novo naufrágio nas cercanias de Boipeba. Indo até lá, Diogo conseguiu salvar 17 pessoas dos tupinambás e por isso conta-se que Carlos V mandou-lhe uma carta de agradecimento. Mas não havia nenhuma mulher. Catarina de novo, teve o mesmo sonho e pouco tempo depois foi encontrada a imagem da virgem Maria com o menino Jesus nos braços.
Ela então mandou construir ao lado de sua casa uma ermida em taipa, para abrigar a imagem que até hoje está no altar da igreja. E foi nessa mesma ermida que o padre Manuel da Nóbrega realizou a primeira festa religiosa que se tem notícia.
Mais tarde a ermida de taipa foi reconstruída em pedra e cal e hoje é a Igreja da Graça.
Início da Fundação de Salvador, painel na Igreja da Graça, representação dos tempos de Tomé de Souza
Por causa dos graves incidentes envolvendo Francisco Pereira Coutinho, D. João III resolveu enviar uma autoridade ainda maior: o primeiro Governador Geral, Tomé de Souza. Na ocasião, mandou uma carta para Diogo dizendo entre outras coisas:
“Eu el-rei vos envio muito saudar. Eu ora mando Tomé de Souza, fidalgo da minha casa, a essa Bahia de Todos os Santos por capitão governador dela, e para na dita capitania e mais outras desse estado do Brasil prover de justiça dela, e do mais que ao meu serviço cumprir e mando, que na dita Bahia faça uma povoação, e assento grande e outras coisas de meu serviço. E porque sou informado pela muita prática e experiência, que tendes dessas terras, e da gente, e costumes delas, e sabereis bem ajudar e conciliar, vos mando, que o dito Tomé de Souza lá chegar, vos vade para ele e o ajudeis no que lhe deveis cumprir, e vos ele encarregar, porque fareis nisso muito serviço; …”
Diogo, Catarina e o povo Tupinambá, receberam Tomé de Souza em paz e assim está registrado sobre a ermida:
“… uma maneira de igreja, junto da qual logo aposentamos os Padres e Irmãos em umas casas a par dela …. E ao terceiro dia, naquele local, celebrou Nóbrega uma missa solene, a primeira festa religiosa da Comitiva Oficial.”
Quadro de Henrique Meirelles Foto: Bahiajá
O casal teve 4 filhas e 1 filho: Genebra, Grácia, Ana, Apolônia e Jorge. Esses filhos casaram-se e constituíram uma grande parte do que é hoje a sociedade baiana.
Genebra foi mãe de Diogo Dias que veio a se casar com Isabel de Ávila, filha de Garcia d’Ávila. Seu filho Francisco Dias de Ávila veio a ser o maior latifundiário do Brasil, cujas terras iam até o Maranhão e a sede da propriedade ficava no Castelo Garcia d’Ávila, a Casa da Torre em Praia do Forte.
Castelo Garcia d’Ávila, a Casa da Torre
O Primeiro Congresso de História da Bahia, comemorando 400 anos da fundação da cidade do Salvador, reunido em 1949 pelo Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, colocou, na fachada da Igreja da Graça, uma placa de mármore em que homenageiam a Diogo e Catarina
Diogo e Catarina morrreram bem velhinhos. Catarina antes de morrer, doou a igreja e todas as terras anexas para os Monges beneditinos e seus restos mortais encontram-se hoje onde sempre estiveram: na Igreja da Graça, conforme foi sua vontade.
PALÁCIO DA ACLAMAÇÃO
Diogo e Catarina representam a resiliência muito característica de nosso povo. Deixaram um legado de conciliação, de aceitação e de respeito ao outro com toda sua diferença. Essa história tão baiana e tão brasileira é bonita demais pra viver escondida.
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